Em entrevista durante o programa WW, da CNN, na sexta-feira (11), especialistas avaliaram que provas de supostos crimes envolvendo o entorno de Jair Bolsonaro (PL) estão ficando “cada vez maiores”, podendo atingir também o ex-presidente.
A Polícia Federal (PF) investiga a possibilidade de que bens presenteados à Presidência da República em missões oficiais tenham sido desviados por ex-assessores de Bolsonaro e que tenha havido tentativa de vendê-los.
Gustavo Sampaio, professor de Direito da Universidade Federal Fluminense, afirmou que, nos últimos meses, o “cerco está gradual e lentamente se fechando” contra o ex-presidente, citando depoimentos do ex-ministro Anderson Torres e do ex-ajudante de ordens Mauro Cid como exemplos.
“Tudo isso vem cercando o ex-presidente da República. Primeiro, de indícios, suspeitas e, numa sequência imediata, de provas. Então a tendência, já que o curso das investigações, hoje, é mais franco, mais nítido, é que não só o aparato de polícia adicione provas ao que tem sido investigado, mas também a CPMI no Congresso”, colocou.
“Tudo isso leva a crer que, conforme essas provas se adensam, medidas cautelares penais possam ser tomadas, sim, em desfavor do ex-presidente da República”, acrescentou.
Sobre o áudio obtido pela Polícia Federal em que Mauro Cid cita US$ 25 mil “em cash” para Bolsonaro e receio de utilizar sistema bancário, Sampaio destacou que essa é uma prova “evidente, contundente e inequívoca”.
Rafael Cortez, cientista político e professor do IDP, reforçou, por sua vez, que as “evidências estão ficando cada vez maiores”, o que faz com que seja rechaçada a possibilidade de não haver ações para evitar radicalização.
“Acho que a despeito desse movimento mais amplo de tentar minimizar e evitar uma radicalização, as evidências empíricas estão cada vez mais sugerindo que podemos ter desdobramentos jurídicos de uma série de acontecimentos ao longo do mandato [de Jair Bolsonaro] e no início desse ano que podem, eventualmente, trazer complicações adicionais, não só na esfera eleitoral”, avaliou.
Sem foro, Bolsonaro seria julgado em 1ª instância
Gustavo Sampaio explicou ainda que, tendo deixado o cargo de presidente, Bolsonaro não tem prerrogativa constitucional de imunidade e nem tem foro especial por prerrogativa de função.
Assim, caso venha a ser julgado por algum crime contra administração federal — como possível desvio de bens públicos –, isso seria feito na Justiça Federal de 1ª instância.
“Dentro da Justiça comum, o foro especial por prerrogativa de função não dá competência apenas ao STF, ele compartilha competência entre vários tribunais do país. Esse foro é que garante que uma certa autoridade seja julgada num tribunal, não em primeira instância, mas não necessariamente o STF”, argumentou.
“Claro que, em relação ao presidente da República, que goza de prerrogativa de foro no Supremo Tribunal Federal, como os ministros de Estado, uma vez que deixem esses cargos, eles passam a ser julgados e processados a priori em primeira instância”, adicionou.
Efeito político
Rafael Cortez ponderou, entretanto, que o efeito político do caso pode não ser proporcional “à gravidade do que está se tratando”.
O especialista citou o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, que enfrenta diversas acusações na Justiça, mas ainda é o principal nome do Partido Republicano para as eleições presidenciais de 2024.
“Será um efeito político naturalmente difícil para Bolsonaro e a direita como um todo, mas também não vejo um derretimento da influência política do ex-presidente mesmo nesse cenário mais difícil jurídico. E isso muito tem a ver com uma existência de um mercado eleitoral com ainda uma divisão que acho que não se supera com esse episódio”, ponderou.
Operação contra entorno de Bolsonaro
A PF cumpriu na sexta-feira (11) mandados de busca e apreensão contra o general Mauro César Cid, pai do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
Também foram alvos da operação o ex-advogado de Bolsonaro Frederick Wassef, o tenente do Exército Osmar Crivelatti, além do próprio Mauro Cid.
A decisão que embasou a operação de sexta-feira para apurar desvios de objetos da União é do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
Ele afirmou que, de acordo com dados analisados pela Polícia Federal, há a “possibilidade” de que o Gabinete Adjunto de Documentação Histórica do Gabinete Pessoal da Presidência da República tenha “sido utilizado para desviar, para o acervo privado do ex-presidente da República, presentes de alto valor, mediante determinação de Jair Bolsonaro (PL)”.
Além disso, a investigação indica que o material deveria ser vendido e o dinheiro, repassado em espécie para o ex-presidente.
Tentativas de venda
Segundo a investigação da PF, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro Mauro Cid levou para os Estados Unidos presentes recebidos pelo Estado brasileiro com a intenção de vendê-los.
Ele teria transportado os objetos no mesmo avião presidencial em que Jair Bolsonaro viajou para Orlando, em 30 de dezembro do ano passado, na véspera do fim de seu mandato.
Segundo a operação da PF, a suspeita é de que a conta do pai do ex-ajudante teria sido usada para recebimento de valores relativos a vendas de presentes de alto valor recebidos por agentes públicos brasileiros de autoridades árabes.
A investigação “identificou que esse modus operandi foi utilizado para retirar do país pelo menos quatro conjuntos de bens recebidos pelo ex-presidente da República em viagens internacionais, na condição de chefe de Estado”, aponta o relatório.
Em nota, os advogados de Bolsonaro afirmaram que o ex-presidente “jamais apropriou-se ou desviou quaisquer bens públicos”.
Quebra de sigilos fiscal e bancário de Bolsonaro
Além do cumprimento dos mandados de busca e apreensão, a PF pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a quebra dos sigilos fiscal e bancário do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), informaram à CNN autoridades ligadas à investigação.
A avaliação é de que já há situações — ainda não reveladas — que envolvem mais fortemente o ex-presidente no caso das joias. Fontes informaram à CNN também não haver pressa em ouvir os investigados e que já haveria muita prova contra eles.
Defesa de Bolsonaro nega apropriação
Conforme noticiou Renata Agostini, analista de Política da CNN, os advogados de Bolsonaro afirmaram que o ex-presidente “jamais apropriou-se ou desviou quaisquer bens públicos”.
Leia na íntegra o comunicado da defesa de Jair Bolsonaro:
Sobre os fatos ventilados na data de hoje nos veículos de imprensa nacional, a defesa do Presidente Jair Bolsonaro voluntariamente e sem que houvesse sido instada, peticionou junto ao TCU — ainda em meados de março, p.p. —, requerendo o depósito dos itens naquela Corte, até final decisão sobre seu tratamento, o que de fato foi feito.
O Presidente Bolsonaro reitera que jamais apropriou-se ou desviou quaisquer bens públicos, colocando à disposição do Poder Judiciário sua movimentação bancária.
Por: CNN Brasil