A taxação dos super-ricos vem sido defendida já há algum tempo pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e, na avaliação do governo Lula (PT), o tema entrou de vez na agenda internacional.
Idealizada pelo economista francês Gabriel Zucman, a proposta consiste na criação de um sistema tributário internacional, com imposto mínimo de 2% sobre a riqueza dos bilionários do mundo. O potencial de arrecadação é estimado entre US$ 200 e US$ 250 bilhões por ano.
Calcula-se que o modelo de tributação progressiva atingiria 3 mil pessoas inicialmente. “Apenas indivíduos com patrimônio líquido ultraelevado e pagamentos de impostos particularmente baixos seriam afetados”, afirma o texto da proposta.
Na terceira reunião dos ministros de Finanças do G20, realizada em julho no Rio de Janeiro, todos os países do Grupo dos 20 assinaram uma declaração estabelecendo como princípio continuar estudando formas de taxar os super-ricos. Haverá uma cúpula no final do ano com todos os chefes de Estado. “Eu espero que essa proposta seja aprovada”, disse o ministro na última quinta-feira (12/9).
A percepção é de que o que poderia ser feito pela pasta da Fazenda já foi exaurido e agora a proposta está nas instâncias superiores, com expectativa de que a cúpula de chefes de Estado também assine uma declaração nesse sentido. Espera-se que a África do Sul, que presidirá o G20 no próximo ano, siga defendendo o tema e o trate como prioridade em sua gestão.
Também há expectativa de que o Itamaraty defenda a taxação dos super-ricos nos fóruns da Organização das Nações Unidas (ONU). Também está no radar uma menção ao assunto no discurso de abertura da 79ª Assembleia Geral da ONU, no próximo dia 24 de setembro.
Apesar do avanço, Haddad admite dificuldades
Em entrevista à Folha de S.Paulo na última semana, o bilionário americano Bill Gates defendeu que super-ricos paguem mais impostos, mas disse ver poucas chances de uma proposta de taxação global de bilionários se concretizar.
“Não acho que haverá um imposto global porque não temos um governo global. Se houvesse uma votação sobre algo assim, eu votaria a favor, porque acho que precisamos arrecadar mais e financiar coisas relacionadas à desigualdade. Porém, acho que a realidade é que cada país terá de criar suas próprias políticas tributárias”, afirmou o cofundador da Microsoft .
Ao comentar o assunto, Haddad disse que “a tarefa da política é encontrar as saídas para isso”. “O Brasil teve um grande mérito de levar essa proposta, inclusive com prêmios Nobel apoiando.”
E completou: “Não é simples, a construção é difícil, porque há também muita resistência”.
O ministro disse ver “alguma dificuldade” em uma proposta isolada, de países em separado e citou o caso nacional: “Quando você tenta cercar por um lado, o contribuinte foge por outro. Você tem vários magnatas brasileiros que fizeram planejamento tributário para não pagar [tributos]”.
Felipe Antunes, coordenador-Geral de Assuntos Financeiros Internacionais no Ministério da Fazenda, reconheceu que o debate está no início e deve levar tempo para ser adequadamente discutido e implementado.
“Que os super-ricos paguem uma porção justa de impostos é uma prioridade do G20 Brasil. Precisamos ainda ter discussões paralelas para ver como levar essa proposta tributária para os países, que poderão implementá-la de diferentes formas, usar seus esforços e alcançar o entendimento de que essa reforma pode ter uma possibilidade de avanço”, indicou o diplomata.
E completou: “O quão rápido podemos avançar, não posso dizer. Já existem conversas em alguns fóruns internacionais sobre e vamos levar para todos eles”.
Cooperação internacional
Para que seja eficaz, a tributação exige cooperação internacional. Há o risco de alguns super-ricos ocultarem sua renda e enviarem a países que tributam menos sobre as receitas, daí a necessidade de um padrão comum.
Os países deverão definir, por exemplo, como determinar o valor da riqueza dos indivíduos e como garantir a transparência das informações sobre transações.
Ainda que seja exigido esse esforço conjunto, os defensores da proposta admitem que haverá uma coordenação internacional “imperfeita”, uma vez que alguns países não deverão aderir ao padrão de tributação e implementá-lo efetivamente.
Um dos atores que foi mobilizado recentemente foi o Papa Francisco, que costuma ter um discurso incisivo em defesa do combate à miséria e às desigualdades no planeta. O ministro Fernando Haddad esteve com o pontífice em junho deste ano, em uma audiência privada.