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Falou perto do celular e apareceu anúncio? Explicação é pior do que parece

Você fala e o anúncio aparece? Especialistas explicam por que seu celular parece te ouvir – e como ele sabe tanto sobre você sem usar o microfone; entenda

Se você já teve a sensação de que seu celular está ouvindo suas conversas, saiba que não está sozinho. É comum comentar algo com um amigo – sobre uma viagem, um produto ou serviço – e, pouco tempo depois, ser impactado por um anúncio exatamente sobre aquilo. Coincidência? Provavelmente não.

Embora não existam provas de que os microfones dos smartphones estejam gravando tudo o que falamos, especialistas afirmam que os celulares monitoram nossos hábitos de maneira silenciosa e estratégica – e isso vai muito além de escutar conversas. Eles rastreiam localização, proximidade com outros dispositivos, interações em apps e padrões de comportamento para prever seus interesses e exibir anúncios direcionados. Entenda como isso funciona e por que acontece.

Coincidência ou não?

 

Para além dos incontáveis relatos sobre celulares que supostamente “escutam” o que os donos falam, já há estudos que analisam essa experiência. Uma pesquisa da empresa Sherlock Communications, por exemplo, mostrou que 69% dos brasileiros têm a sensação de que o celular “ouve” conversas sem permissão.

Entretanto, especialistas consultados pelo TechTudo afirmam que, objetivamente, os dispositivos móveis não ficam “prestando atenção” no áudio ambiente para coletar dados e exibir anúncios relacionados. E essa afirmação também encontra embasamento em pesquisas:

  • Um estudo da Northeastern University realizado com mais de 17 mil aplicativos demonstrou que os apps monitoram os usuários até com capturas de tela não autorizadas, mas não encontrou nenhuma evidência de gravação de áudio ambiente durante os períodos de inatividade do celular.
  • Um experimento realizado pela empresa de segurança cibernética Wandera colocou smartphones em ambientes com e sem sons específicos e, em seguida, analisou o consumo de dados e os anúncios exibidos, sem encontrar diferenças significativas que indicassem escuta do ambiente para fins publicitários.

 

Por que, então, continuamos a ter a impressão de que somos ouvidos? O acaso pode ter seu papel nesse processo. Se um anúncio é exibido, por mera coincidência, logo após falarmos sobre o produto em questão, somos levados a acreditar em uma relação direta de causa e efeito entre esses dois momentos, mesmo que tal relação não exista de fato. Isso é parte da tendência humana de buscar padrões nas experiências do dia a dia – efeito muito bem documentado pela psicologia cognitiva.

No entanto, há outros fatores envolvidos. A veiculação dos anúncios é regida por algoritmos cada vez mais complexos e inteligentes graças aos investimentos maciços das “big techs”, que obtêm boa parte de sua receita por meio da venda de espaços publicitários e precisam entregar anúncios com eficiência.

Os algoritmos, por sua vez, são abastecidos por uma quantidade imensa de dados demográficos e comportamentais. Quando combinados, esses fatores dão às empresas de tecnologia o poder de estimar com muita precisão o que pode estar se passando na mente de cada indivíduo em um dado momento. Em alguns casos, o algoritmo acerta em cheio – e é aí que aparecem os anúncios exatamente sobre o que estamos pensando ou falando.

Falou perto do celular e apareceu anúncio? A explicação é pior do que parece — Foto: Reprodução/IA/ChatGPT
Falou perto do celular e apareceu anúncio? A explicação é pior do que parece — Foto: Reprodução/IA/ChatGPT

Microfone aberto: para onde vai o áudio?

 

Mas se os dispositivos móveis não nos “ouvem” literalmente, como os aparelhos com comando por voz nos atendem quando chamamos? A resposta é que esses dispositivos ficam com o microfone aberto o tempo inteiro, mas sem conexão com a Internet durante o período em standby.

Ou seja: os aparelhos ficam com o microfone ligado para captar comandos de voz específicos, como “Siri”, “Alexa” ou “Ok, Google”. No entanto, eles não gravam nem transmitem enquanto estão em standby. Apenas depois de ativados por esses termos, os assistentes pessoais se conectam à Internet e a outros sistemas para fazer as consultas e transmitir os comandos solicitados por voz.

Alexa, da Amazon — Foto: Divulgação/Amazon

Alexa, da Amazon — Foto: Divulgação/Amazon

Para o especialista em Marketing Digital Fernando Kanarski, processar áudio ambiente para coletar mais dados dos usuários seria tecnicamente e economicamente inviável nos dias de hoje.

Capturar o áudio da humanidade, processar tudo em tempo real e interligar isso a anúncios seria muito caro e ineficiente. Isso também não melhoraria tanto os resultados nas atuais segmentações, que já usam muitos dados pessoais fornecidos pelos próprios usuários” afirma Fernando.
— Fernando Kanarski, especialista em Marketing Digital

Como realmente acontece a coleta dos dados

 

Existem alguns caminhos para que as empresas de tecnologia obtenham nossos dados. Em primeiro lugar, ao navegar na web, usar apps e consumir conteúdo, deixamos “migalhas” de informações sobre interesses que são coletadas pelas big techs.

Também informamos voluntariamente diversos dados quando nos cadastramos em sites e aplicativos, por exemplo. Assim, as empresas sabem informações como nossa idade, sexo, profissão e local de residência. Somam-se a isso os dados capturados de nosso computador ou celular, como marca, sistema operacional e geolocalização.

“Tudo isso é processado pelos algoritmos de grandes anunciantes, que também são fornecedores de serviços, como Google e Meta. São essas informações que os especialistas em marketing podem segmentar dentro das plataformas de anúncios para tentar atingir os melhores consumidores”, explica Fernando Kanarski.

 

Excesso de exposição nas redes sociais pode comprometer privacidade e segurança; saiba como se proteger — Foto: Reprodução/Canva
Excesso de exposição nas redes sociais pode comprometer privacidade e segurança; saiba como se proteger — Foto: Reprodução/Canva

Ele acrescenta que, com o avanço da tecnologia, já é possível segmentar anúncios por informações como status parental, nível social, status de trabalho e diversas informações de comportamento ligadas ao interesse em produtos, hobbies, entretenimento e serviços. Por outro lado, o especialista destaca que informações sensíveis, como as ligadas à saúde, à sexualidade e à etnia não podem ser utilizadas para segmentação de campanhas.

O passo mais avançado na segmentação de anúncios, segundo Kanarski, é a análise de conexões de amizade e geolocalização, já realizada por várias empresas de tecnologia.

Quando conversamos com amigos sobre alguns assuntos e logo depois vemos um anúncio sobre, achamos que o nosso celular ouviu a conversa. Na verdade, muito provavelmente um dos interlocutores da conversa já mostrou sinal de interesse por aquele produto ou serviço e o que o algoritmo fez foi simplesmente mostrar o anúncio para o amigo da pessoa”, explica.
— Fernando Kanarski, especialista em Marketing Digital

Limites legais e éticos

 

Mas será que as big techs podem coletar tantos dados assim? A realidade é que, sim, elas podem. Em geral, fazem isso com a sua autorização, que é solicitada naqueles termos de uso que quase ninguém lê.

“Não existe almoço grátis. Quem usa serviços gratuitos e não lê os termos de uso na hora de criar uma conta ou baixar um app está vendendo seus dados para alimentar o algoritmo dos servidores de anúncios. Infelizmente, os usuários aceitam isso em troca de contas e aplicativos gratuitos, já que quem fornece esses serviços precisa bancar infraestrutura cara e faturar mais com anunciantes”, explica Fernando Kanarski.

Dados compartilhados nas redes sociais podem ser vendidos ou usados sem transparência — Foto: Reprodução/Designi

Dados compartilhados nas redes sociais podem ser vendidos ou usados sem transparência — Foto: Reprodução/Designi

No Brasil, os limites para essa coleta são estabelecidos pela Lei Geral de Proteção de Dados, ou LGPD, em vigor desde 2020. O texto define os princípios para o tratamento de dados, obriga a obtenção de consentimento em muitos casos e prevê sanções para o descumprimento das normas, sendo fiscalizada pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).

O diretor executivo do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, Fabro Steibel, detalha que a lei permite a coleta de diferentes tipos de dados, mas faz distinção entre as finalidades do processamento dessas informações.

“Existem diferentes tipos de finalidades e, quanto mais sensível o dado, maior a necessidade de pedir consentimento ao usuário. Em regra, você só pode tratar dados pessoais, que identifiquem potencialmente uma pessoa, se você tiver uma finalidade lícita”, completa Fabro Steibel.

O especialista acrescenta, ainda, que as empresas que coletam dados não se tornam “donas” dessas informações, nem podem reutilizá-las para outros fins.

“A coleta de dados deve ser para um uso específico. Eempresas que coletam esses dados não podem fazer o que quiserem com eles. Volta e meia, há empresas que abusam de seus direitos e reusam dados ou extrapolam a finalidade lícita. É para isso que existem agências de proteção e sanções previstas em lei”, conclui o diretor executivo.

 

Como se proteger?

 

Quem se sente incomodado com anúncios invasivos ou com a ideia de ter suas informações coletadas pelas gigantes da tecnologia pode recorrer a algumas medidas para reforçar a privacidade online. Aqui vão algumas sugestões:

  • Reduzir o compartilhamento de informações pessoais em redes sociais;
  • Revogar permissões desnecessárias de microfone, localização e câmera nos apps;
  • Usar navegadores e sites de busca com foco em privacidade;
  • Navegar na janela “anônima” sempre que possível;
  • Desativar anúncios personalizados em serviços online;
  • Evitar login com contas do Google, Facebook ou Apple em outros sites;
  • Usar e-mails diferentes para cada tipo de atividade online;
  • Utilizar VPN confiável.

O especialista em marketing digital Fernando Kanarski lembra, no entanto, que essas medidas podem ter um efeito colateral: a exposição constante a anúncios sem relevância, que pode tornar a experiência online desinteressante. Cabe a cada um, portanto, decidir o quanto quer proteger suas informações, sem medo da “espionagem” para a qual não há evidências e sempre considerando a proteção conferida pela LGPD.

Com informações de BBCNortheastern University e Sherlock Communications.

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